Nascido aos dezesseis dias do mês de agosto de 1853, em Tatuí, Manoel Guedes Pinto de Melo, faleceu em nove de abril de 1927, com setenta e quatro anos de idade. Era filho de Martinho Guedes Pinto de Melo e dª Maria Alves de Lima. Martinho Guedes Pinto de Melo, de origem lusitana, fidalgo pelo nascimento e nobre pelo caráter, obrigou-se por divergências políticas a suportar as agruras de um exílio voluntário a dobrar-se a imposições que seu espírito altivo e que seus anseios de liberdade não podiam aceitar, escolheu para continuidade de seu projeto de vida a pequena Tatuí, no interior de São Paulo. Dedicando-se ao seu lar adotivo o mesmo carinho que o ligava ao berço de além mar, Martinho Guedes voltou suas vistas para o cultivo da terra, que amava como se nela tivesse nascido, sendo o introdutor de uma nova fase na economia agrária do país, com a cultura regional do algodão, transformando-se no exemplo que seria seguido por seu filho Manoel Guedes. Espírito ávido de iniciativas, sempre voltado para o bem da coletividade, Martinho Guedes não descansou sobre os louros, sonhando dar um passo à frente, com a produção industrial de tecidos, o que naquele tempo, era trabalho de artesanato e atividade doméstica. O destino, porém, não permitiu que o grande batalhador visse seu ideal cumprido em vida, Em janeiro de 1872, faleceu, quando contava com apenas 43 anos de idade.
Manoel Guedes, jovem ainda, aos 17 anos, resolveu que havia de concretizar a vontade de seu pai, Martinho Guedes, de instalar em Tatuí aquela que seria a primeira fábrica de tecidos do Brasil. Tatuí se encontrava, por obra do denodado trabalho de Martinho Guedes, em pleno apogeu da cultura do algodão cuja cultura foi iniciada na Fazenda Pederneiras, tornando-se a maior produtora de algodão do país. Este “ouro branco” colhido em nossas terras ficou conhecido com “Algodão Tathuy”.
Abandonando os estudos no Rio de Janeiro, voltou para Tatuí, passando a dirigir aquilo que seu pai deixara – um estabelecimento comercial, as culturas de algodão e cereais, máquinas de beneficiar e prensar o algodão.
Assim, em 1881, Manoel Guedes organizou e criou a “Cia. de Fiação e Tecelagem São Martinho”, cujo nome homenageava seu pai. A montagem da fábrica deve-se exclusivamente ao seu pertinaz esforço e sua rígida determinação de realizar o sonho de seu saudoso pai.
Para que melhor se estimem e se avaliem o nível do arrojo e o quanto de dificuldades e agruras passou Manoel Guedes na montagem da fábrica de tecidos, em Tatuí, é preciso que se lembrem estas situações daquele tempo:
a) A maquinaria toda era de importação;
b) Havia transporte ferroviário só até Bacaetava, onde chegavam as linhas da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, hoje FEPASA;
c) De Bacaetava a Tatuí existiam apenas “caminhos”, que não chegavam a ser estradas, sequer. Pontes, pontilhões e leito carroçável eram incapazes de servir para a passagem e suporte de carga mais pesada.
Assim, a adequação daquelas estradinhas vicinais, com o reforço de pontes e pontilhões, já era, por si só, uma epopéia de tenacidade. Mais de seis meses de árduo trabalho foram necessários para as máquinas chegassem de Bacaetava a Tatuí.
Dentre as várias operações relacionadas com a montagem da fábrica de tecidos, estava a aquisição da “MAXABOMBA”. Sua chegada ruidosa à cidade foi um acontecimento.
Mas, que era essa “Maxabomba”?
Nada menos do que uma locomotiva a vapor barulhenta, para funcionar como motor fixo ou veículo-reboque para caminhar por sobre a terra, isto é, sem trilhos. Quatro rodas de ferro, com aros largos e lisos, apitava e resfolegava como as velhas máquinas, a carvão ou lenha, das estradas de ferro, capaz de transportar grandes cargas de lenha e sacos de algodão.
Com a “Maxabomba” e mais carretas e carros de boi, foi possível, com enorme e inimaginável sacrifício, trazer os futuros teares da futura fábrica de tecelagem.
Para a construção do prédio, até hoje existente, Manoel Guedes criou olaria e cerâmica, serraria e marcenaria, além de oficina mecânica completa e até mesmo sofisticada, como adiante se verá.
Em 1881, o então jovem “MANDUCA”, como era apelidado Manoel Guedes, , com não mais que 54 teares e reduzido número de operários dava início à produção da Companhia Fiação e Tecelagem “São Martinho”.
Tijolos, telhas, manilhas, madeira aparelhada – tudo se fazia para os empreendimentos de Manoel Guedes e por ele mesmo.
A excelente qualidade de seus produtos bem cedo ganharam bons e importantes consumidores, registrando-se que, da Cerâmica “São Martinho”, saíram manilhas para grande parte da rede de esgoto da cidade de São Paulo.
Com o tempo, outras indústrias foram surgindo por força do pioneirismo genial de Manoel Guedes: fábrica de óleo; fábrica de sabão; fábrica de correias de vários tipos, para movimentação de polias de novas unidades fabris que viriam logo a fazer de São Paulo o maior centro industrial da América Latina.
“Manduca” era um investidor diversificado.
De começo, suas máquinas eram acionadas pela “Maxabomba”, que também servia para as trações pesadas, ou por caldeiras a vapor, alimentadas por lenha.
A movimentação da matéria prima e dos produtos ficava para os animais: carro de boi, carroças, carretões, tropas, cargueiros, lombo de burro...
Manoel Guedes tinha uma mentalidade bastante avançada e logo percebeu que suas industriais que cresciam continuamente estavam devastando as matas próximas à cidade. O progressista homem, que fizera de Tatuí o centro de suas prestantes atividades, pressentiu que o desenvolvimento industrial pedia mais e mais o giro e crescimento das riquezas.
Então, na Fazenda Vitória, situada entre Tatuí e Tietê, próxima a Cerquilho pela velha estrada do Guarapó, represou o Rio Sorocaba e construiu, pouco abaixo da lindíssima barragem, uma usina geradora de energia elétrica.
Estava fundada a “Companhia Luz e Força de Tatuí” cuja energia produzida propiciava a preservação de nossas matas. A célebre “Maxabomba” deixava de circular.
Energia para as indústrias, para a iluminação pública e domiciliar deste município e para os de Pereiras e Conchas era fornecida pela aludida empresa que, enquanto pertenceu ao complexo do velho Guedes, teve sempre modelar desempenho.
E, 1° de janeiro de 1911 a luz elétrica foi ligada para a cidade de Tatuí, sendo uma das pioneiras no Estado de São Paulo.
João Alfredo de Souza Ramos, estudioso da vida e da obra desse grande homem que hoje dá nome à Fundação Educacional, assim escreveu em trabalho publicado no ano de 1953:
“Pela sua inteligência superior, pela sua capacidade realizadora e pelo sentido social de suas incitativas, Manoel Guedes Pinto de Melo tornou-se uma das maiores figuras da vida econômica de São Paulo e do Brasil. A minha admiração por esse homem não me cega, quando afirmo que a sua personalidade pode e deve ser comparada a de outros brasileiros ilustres, como Irineu Evangelista de Souza, Visconde de Mauá, cognominado o “Pai da Indústria Brasileira”. Como o grande Mauá, Manoel Guedes Pinto de Melo foi pioneiro em inúmeras iniciativas, que tiveram sempre por objetivo servir a uma boa causa, em benefício da coletividade.”
Outro historiador, Humberto Bastos, em sua obra “O Pensamento Industrial do Brasil”, também citado por Souza Ramos na mesma divulgação, coloca “...Manoel Guedes Pinto de Melo entre os doze próceres da Indústria e das Finanças de São Paulo: S. Ford, Asdrúbal do Nascimento, Erasmo Assunção, Samuel Toledo, Rodolfo Crespi, J. A. Rubião, Francisco Matarazzo, Alexandre Siciliano e Pugliese.
Manoel Guedes, surpreendido muito jovem com a morte prematura de seu pai, Martinho Guedes foi obrigado a abandonar os estudos no Rio de Janeiro para assumir os negócios de Martinho em Tatuí.
Obviamente, não tinha nem experiência nem condições técnicas para os arrojos de seu talento empreendedor.
Todavia, era suficientemente sagaz para a escolha dos homens que convocaria para levar a termo sua decidida vocação de criar e progredir. Dos Estados Unidos, da Inglaterra e do Brasil mesmo, trouxe equipes de auxiliares que se radicaram nesta cidade, trabalhando com ele, para ele, para Tatuí e para a nação.
Para que se tenha um julgamento mais seguro do capricho do “Manduca” em tudo que fazia temos o registro de um episódio ocorrido pelos idos de 1920, quando do acidente com um avião em nossa cidade. Sérios danos materiais na aeronave e o seu conserto inteiramente feito na marcenaria e oficina da Fábrica São Martinho, pelo habilidosíssimo Jorge Mayer, chefe daquelas unidades. O pouso que aqui fizeram os irmãos João e Henrique Robba, aviadores que tinham em São Paulo uma das primeiras escolas para formação de pilotos aviadores civis do Brasil, foi efetuado em terreno impróprio:- o campo de futebol do antigo Pindorama Futebol Clube, no Alto da Santa Cruz. Resultado: quebra da asa e inutilização da hélice do aparelho.
Com os pilotos nada aconteceu, além do aborrecimento de verem seu avião enormemente danificado.
Tomados de compreensível desânimo, receberam, fora o carinho da população, a promessa de Manoel Guedes e de seu filho Tomaz Guedes Pinto de Melo de que o aeroplano seria reparado pelos homens e pelo instrumental da Fábrica São Martinho.
Promessa ousada, sem dúvida.
Afinal, devolver-se condição de vôo para um avião – máquina desconhecida e melindrosa – era empresa inédita e perigosa.
Transcrevemos a seguir a palavra do Dr. Otávio Guedes de Moraes que, em trabalho escrito para a Biblioteca da Prefeitura, aborda o assunto, com sua qualificação de engenheiro e aviador também:
“... uma asa, se mal consertada, poderia partir-se em pleno vôo.
E o conserto da hélice?
Não era possível, pois a avaria era tão grande que só havia um remédio: construir uma nova.
A hélice de um avião sempre foi o componente mais delicado. Ela trabalha em regime de alta rotação. Sua construção teria de ser de um rigor absoluto. As torções nas diversas seções da pá da hélice, conforme se vão afastando do centro de giro, exigem que sejam simétricas e rigorosamente iguais.Qualquer imperfeição em sua construção iria produzir enorme vibração no motor e até mesmo na estrutura do avião.”
Jorge Mayer realizou o incrível trabalho. Refez a asa e fez hélice nova. Tudo testado pôde o aeroplano dos irmãos Robba voltar ao espaço das nuvens, levando, no re-batismo que teve, a inscrição “TATUHY” em sua fuselagem, homenagem e agradecimento dos irmãos aviadores.
Perícia, competência, sofisticação de instrumental, confiança, audácia – tudo se espelha no acidente Robba e na solução provida. Competência de Mayer; qualificação da oficina e da marcenaria de que ele se valeu; confiança, no homem e na máquina, a justificar a audácia de Manoel Guedes ao prometer serviço de delicada e difícil execução, com conseqüência de risco muito grande.
Assim foi o extraordinário “Manduca”, na indústria.